Mark Fisher e Byung-Chul Han segundo o DeepSeek

Mark Fisher e Byung-Chul Han
Pergunta: Como Byung-Chul Han dialoga com o aceleracionismo?
Excelente pergunta. A relação entre o pensamento de Byung-Chul Han e o aceleracionismo é uma das áreas mais fascinantes e tensas da filosofia contemporânea. Em vez de um “diálogo” direto, podemos pensar em um debate profundo e antagônico, onde Han se coloca como um dos críticos mais contundentes das premissas aceleracionistas.
Para entender esse “diálogo”, vamos primeiro definir os termos e depois contrastá-los.
Resumo Rápido da Relação
Em poucas palavras: Han é o anti-aceleracionista por excelência. Enquanto o aceleracionismo propõe acelerar os processos tecnocapitalistas para levá-los ao seu limite e além (numa tentativa de provocar uma ruptura ou alcançar um futuro pós-capitalista), Han argumenta que essa aceleração já é a própria lógica do capitalismo neoliberal, e que ela não leva à libertação, mas sim a uma exaustão patológica, uma sociedade do cansaço e do desempenho que esgota o sujeito e destrói o tecido social.
1. O Que é o Aceleracionismo? (O “Interlocutor”)
O aceleracionismo não é um movimento monolítico, mas uma corrente de pensamento que, em suas vertentes de esquerda (a mais relevante para esse debate), defende que a saída do capitalismo não está em desacelerá-lo ou criar espaços externos a ele, mas em acelerar suas tendências tecnológicas e sociais até o ponto de ruptura. A ideia é que as forças produtivas (tecnologia, automação, redes globais) já contêm o potencial para um futuro pós-trabalho e pós-escassez, mas são contidas pela lógica do capital. Acelerar é, portanto, forçar uma contradição insustentável que leve a uma nova sociedade.
Princípios-chave do Aceleracionismo (de esquerda):
- Acelerar a tecnologia: Abraçar a automação, a inteligência artificial, a cibernética.
- Abolir o trabalho: Usar a tecnologia para liberar os humanos do trabalho assalariado.
- Superar o capitalismo através do seu desenvolvimento tecnológico máximo.
- Visão futurista e “hipermoderna”.
2. A Crítica de Byung-Chul Han (A “Resposta”)
Han não debate diretamente com os teóricos aceleracionistas por nome em seus livros mais populares, mas todo o seu trabalho é uma refutação sistemática do mundo que o aceleracionismo descreve e deseja. Sua crítica se desdobra em vários eixos:
a) A Aceleração já é o Problema, não a Solução
Para Han, a sociedade do cansaço, do desempenho (“Yes, we can!”) e da positividade já é a sociedade da aceleração total. Não precisamos de um projeto para acelerar; nós já estamos sendo esmagados por ela. A lógica neoliberal nos impele a sermos empreendedores de nós mesmos, a maximizar nossa produtividade, a comunicar sem cessar, a otimizar cada aspecto da vida. Essa aceleração não é emancipatória; é violência neuronal que leva a burnouts, depressão e um cansaço profundo.
b) A “Desaceleração” como Gesto de Resistência
Enquanto o aceleracionismo quer “pisar no acelerador”, Han defende a desaceleração, a pausa, o intervalo, o tédio profundo. Só no silêncio e na lentidão, argumenta ele, pode emergir algo verdadeiramente novo – o pensamento, a contemplação, a experiência autêntica. A aceleração constante não permite que nada novo nasça, apenas reproduz o mesmo (o “inferno do igual”).
“A aceleração e o aumento da comunicação destroem o silêncio que seria capaz de gerar um dizer inteiramente outro, um dizer que não serve à reprodução e ao enriquecimento da vida.”
c) Tecnologia não é Neutra: A Psico-política
Os aceleracionistas tendem a ver a tecnologia como uma ferramenta neutra que pode ser reapropriada. Han, inspirado por Foucault, vê a tecnologia digital contemporânea (redes sociais, big data) como intrinsicamente psico-política. Ela não reprime, mas seduz e vigia, criando uma prisão de vidro onde nos expomos voluntariamente. Acelerar o uso dessas tecnologias, para Han, significa aprofundar esse controle sutil e totalitário, não superá-lo.
d) A Crítica da “Sociedade do Desempenho” vs. a “Sociedade Pós-Trabalho”
O aceleracionismo sonha com um mundo sem trabalho. Han alerta que, no neoliberalismo, já vivemos uma distorção disso: o projeto de si mesmo tornou-se trabalho. Não trabalhamos para viver; vivemos para otimizar nossa vida como um projeto. A abolição do trabalho assalariado, sem uma mudança na psique, poderia simplesmente levar a uma intensificação dessa auto-exploração, onde somos “empreendedores” de nosso lazer, saúde e relacionamentos 24 horas por dia.
e) O Fim da Negatividade e a Catástrofe da Positividade
Esta é a crítica filosófica mais profunda. Han argumenta que nosso tempo é marcado pelo excesso de positividade (informação, estímulos, conexões, possibilidades). Faltam a negatividade, os limites, a alteridade radical, o “Outro” que nos confronta e nos transforma. O projeto aceleracionista, com seu foco na abundância tecnológica, é a culminação dessa positividade. Ele promete um paraíso, mas, para Han, cria um inferno do igual, onde nada de verdadeiramente diferente ou novo pode surgir.
Conclusão: Um Diálogo de Surdos ou uma Crítica Essencial?
O “diálogo” entre Byung-Chul Han e o aceleracionismo é, na verdade, um confronto entre dois diagnósticos e duas prescrições radicalmente opostas para a modernidade tardia.
- O Aceleracionismo vê no motor da tecnologia e do capital a semente de um futuro utópico, que deve ser liberado através de uma aceleração final.
- Byung-Chul Han vê nesse mesmo motor a fonte de uma patologia social esgotante, e defende a desaceleração, a pausa e a recuperação da negatividade como únicos caminhos para a salvação.
Han responde ao aceleracionismo de forma contundente: o que vocês chamam de solução é a própria dinâmica da doença. A aceleração que desejam já nos está adoecendo coletivamente. Portanto, a verdadeira revolução não é tecnológica e acelerada, mas sim existencial e lenta. É uma revolução que começa no indivíduo que consegue se desconectar, contemplar e resistir à lógica do desempenho.
Pergunta: No item 1, poderia indicar nomes que propõem ou defendem esses princípios-chave do Aceleracionismo?
Claro. O aceleracionismo, especialmente em sua vertente de esquerda, tem um conjunto de pensadores-chave que desenvolveram seus princípios. É importante notar que o termo tem origens mais obscuras e controversas, mas foi ressignificado por autores contemporâneos.
Aqui estão os nomes e obras fundamentais que propõem ou defendem os princípios-chave do aceleracionismo de esquerda:
1. Os Precursores e Influências Teóricas
Antes do termo “aceleracionismo de esquerda” ser cunhado, alguns pensadores já haviam explorado a ideia de que as forças produtivas do capitalismo continham a semente de sua própria superação.
- Karl Marx (em certas leituras): Muitos aceleracionistas se baseiam em passagens de Marx, como nos Grundrisse (o “Fragmento sobre as Máquinas”), onde ele descreve como o desenvolvimento tecnológico sob o capitalismo cria a base material para uma sociedade de abundância, onde o trabalho direto humano deixa de ser a base da riqueza. A ideia de que o capitalismo cria seus próprios “coveiros” ao desenvolver as forças produtivas até um ponto de ruptura é uma leitura chave.
- Gilles Deleuze e Félix Guattari (em O Anti-Édipo): Eles cunharam a frase “acelerar o processo”, argumentando que, em vez de resistir às forças desterritorializantes do capitalismo, deveríamos levá-las ao extremo. Para eles, o capitalismo é um sistema que constantemente desfaz limites (social, cultural, econômico) apenas para recriá-los de novas formas. A estratégia seria, então, acelerar essa desterritorialização para escapar completamente de sua lógica.
“Não se pode escapar destas questões: de que maneira desbloquear, de que maneira fazer passar para outro regime ou para um plano de consistência que já não seja o do Capital? De que maneira acelerar o processo? Pois é preciso acelerá-lo, como dizia Nietzsche: não há outro meio além disso, nem de ‘retornar’, nem de amar, nem de mergulhar no interior.” (O Anti-Édipo)
2. Os Fundadores do “Aceleracionismo de Esquerda” Contemporâneo
O termo como é conhecido hoje foi cunhado e definido em um texto seminal de 2013.
- Nick Srnicek e Alex Williams: Eles são os autores centrais. Seu “Manifesto por uma Política Aceleracionista” (2013) é o documento fundador do movimento contemporâneo. Nele, eles criticam o que chamam de “política folk” da esquerda (localismo, horizontalismo puro, protestos reativos) e argumentam que a esquerda precisa adotar uma visão de futuro, abraçar a tecnologia e disputar a hegemonia em escala global.
- Obra Principal: “Inventing the Future: Postcapitalism and a World Without Work” (2015). Neste livro, eles desenvolvem as ideias do manifesto, defendendo a plena automação, a redução da semana de trabalho e a implementação de uma Renda Básica Universal como passos concretos para um futuro pós-capitalista. Eles argumentam que a esquerda deve se apoderar das forças produtivas e redirecioná-las para fins sociais emancipatórios.
3. Outros Pensadores e Coletivos Importantes
- #Accelerate: The Accelerationist Reader (2014): Esta antologia, editida por Armen Avanessian e Robin Mackay, foi crucial para consolidar o campo. Ela reúne textos dos precursores (Marx, Deleuze) com os de pensadores contemporâneos, mapeando a genealogia do pensamento aceleracionista.
- Mark Fisher: Embora mais conhecido por seu conceito de “realismo capitalista”, Fisher simpatizava com e dialogava criticamente com o aceleracionismo. Ele via a estagnação cultural e política como um problema central e explorava como a cultura popular (especialmente a música e a ficção científica) já continha visões aceleracionistas “inconscientes”.
- Coletivo Laboria Cuboniks (e o Xenofeminismo): O coletivo por trás do “Manifesto Xenofeminista: Uma Política pela Alienação” (2015) é uma ramificação importante. O Xenofeminismo defende a aceleração tecnológica e a abolição de gênero, natureza e outras “determinações” através da tecnologia. É um aceleracionismo aplicado às questões de gênero e corpo, defendendo que a tecnologia deve ser usada para desmantelar normas opressivas e criar novas possibilidades de existência.
Aviso Importante: O “Aceleracionismo de Direita” (Nick Land)
É impossível falar de aceleracionismo sem mencionar Nick Land, mas é crucial distingui-lo da vertente de esquerda.
- Nick Land (e o Círculo Cibernético de Cultura - CCC): Nos anos 90, Land era a figura central de um aceleracionismo niilista e de direita. Sua visão era apocalíptica: ele via o capitalismo como uma “máquina desejante” incontrolável que deveria ser acelerada até a singularidade, independentemente do custo humano (extinção da espécie humana era um resultado possível e até desejável em sua visão mais radical). Sua escrita é densa, pessimista e influenciou a alt-right e os teóricos da “Idade das Trevas” neorreacionários.
- Contraste: Enquanto Srnicek e Williams querem domar e redirecionar a aceleração para fins sociais, Land queria se fundir com ela em um processo de dissolução anti-humanista. A crítica de Byung-Chul Han se aplica muito mais diretamente à visão de Land, que é a encarnação pura da aceleração como força destrutiva e desumanizante.
Em resumo, os principais proponentes e defensores dos princípios aceleracionistas (na vertente de esquerda, que é a que dialoga criticamente com Han) são Nick Srnicek e Alex Williams, com bases teóricas em Deleuze & Guattari e em certas leituras de Marx.
Pergunta: O “realismo capitalista” de Fisher parece aproximar-se do diagnóstico de Han sobre o neoliberalismo.
Excelente observação. Você tocou no ponto crucial que une dois dos críticos mais astutos do capitalismo contemporâneo. Sim, há uma forte convergência de diagnóstico entre o “realismo capitalista” de Mark Fisher e a análise do neoliberalismo feita por Byung-Chul Han.
Ambos descrevem a mesma “jaula” psicológica, mas usando metáforas e ênfases ligeiramente diferentes. Podemos resumir a relação da seguinte forma: o “realismo capitalista” é a atmosfera ideológica e cultural que possibilita o funcionamento da “sociedade do desempenho” de Han.
Vamos detalhar essa aproximação:
1. A Convergência de Diagnósticos: A Jaula Invisível
Mark Fisher - “Realismo Capitalista”:
- Conceito: É a crença generalizada e internalizada de que não há alternativa ao capitalismo. O capitalismo não é mais visto como um sistema entre outros, mas como a própria realidade, tão imutável quanto as leis da física.
- Efeito: Isso gera uma resignação depressiva. A imaginação política e social é capturada; torna-se mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. A crítica é possível, mas sempre localizada e ineficaz, pois não consegue vislumbrar um “exterior” ao sistema.
Byung-Chul Han - “Sociedade do Desempenho” e “Inferno do Igual”:
- Conceito: É a lógica internalizada do “Yes, we can!” e da auto-otimização. A coerção vem não de um opressor externo, mas de dentro. Somos senhores e escravos de nós mesmos, levados a explorar nosso potencial até a exaustão (burnout).
- Efeito: Gera uma sociedade do cansaço, onde a negatividade (o conflito, a alteridade radical, o limite) desaparece, substituída por um excesso de positividade (estímulos, conexões, possibilidades) que esgota. É o “inferno do igual”, onde nada de verdadeiramente novo ou diferente pode emergir.
O Ponto de Encontro: Tanto Fisher quanto Han diagnosticam um sistema que não funciona mais pelo recurso à repressão, mas pela captura dos desejos e da subjetividade. Ambos descrevem um mundo onde a lógica neoliberal se tornou tão hegemônica que sequestra nossa capacidade de pensar e desejar algo diferente. A “jaula” não tem mais grades visíveis; nós internalizamos seus limites.
2. Diferenças de Ênfase e Linguagem
Apesar do diagnóstico semelhante, suas abordagens e focos têm nuances distintas:
| Característica | Mark Fisher (Realismo Capitalista) | Byung-Chul Han (Sociedade do Desempenho) |
|---|---|---|
| Foco Principal | Cultural e Ideológico: A cultura popular (música, cinema), a educação, a saúde mental. | Existencial e Psicológico: A psique individual, as relações sociais, a experiência do tempo. |
| Mecanismo de Poder | Ideologia e Captura Cultural: O sistema se mantém vendendo sua própria inevitabilidade e cooptando a rebeldia. | Autoexploração Psíquica: O poder age através da sedução e da lógica do desempenho, fazendo-nos nos explorarmos. |
| Estado Emocional | Depressão e Ansiedade Generalizadas: Como sintomas de um sistema patogênico. “A saúde mental é um problema político.” | Cansaço e Esgotamento (Burnout): Resultado do imperativo de sermos empreendedores de nós mesmos. |
| Metáfora Central | Uma “Jaula” invisível que prende a imaginação. | Um “Inferno do Igual” que esgota pela positividade excessiva. |
| Origem Teórica | Marxismo, Lacan, cultural studies (mais anglo-saxão). | Filosofia continental, Foucault, Heidegger, psicologia (mais alemão/coreano). |
3. A Diferença Crucial: A Postura em Relação à Solução
Aqui está uma distinção fundamental, especialmente no contexto do aceleracionismo:
Mark Fisher: Embora profundamente crítico, Fisher buscava uma saída política e cultural. Ele era simpático ao aceleracionismo de esquerda. Ele acreditava que era necessário recuperar um futuro que o realismo capitalista havia roubado. Isso envolvia, em parte, abraçar a tecnologia e acelerar as contradições do sistema para forçar uma ruptura. Ele via na cultura (especialmente na música e na ficção científica) os resquícios de um futuro perdido que poderiam ser reativados.
- Para Fisher, a saída era reabrir o futuro através da luta política e da invenção cultural.
Byung-Chul Han: Han é muito mais cético em relação a soluções políticas grandiosas e, como vimos, é um crítico feroz da aceleração. Para ele, a solução não é acelerar, mas desacelerar. Não é buscar um futuro tecnoutópico, mas recuperar gestos “perdidos” como a contemplação, o tédio profundo, o silêncio, a amizade desinteressada e a experiência religiosa ou ritual.
- Para Han, a saída é uma revolução existencial e individual, baseada na retirada, na pausa e na negatividade.
Conclusão
Você está absolutamente correto. A percepção de Fisher sobre o “realismo capitalista” e a análise de Han sobre a “sociedade do desempenho” são dois lados da mesma moeda. Ambos descrevem a armadilha psíquica do neoliberalismo tardio:
- Fisher nos dá o nome da doença ideológica: “Realismo Capitalista” – a incapacidade de imaginar alternativas.
- Han nos dá a descrição dos sintomas fisiológicos e existenciais: “Sociedade do Cansaço” – o esgotamento que surge quando internalizamos a lógica do desempenho.
Juntos, eles fornecem um quadro completo de como o capitalismo contemporâneo não nos domina apenas economicamente, mas molda nossa própria experiência de ser no mundo, nos convencendo de que não há escapatória e, ao mesmo tempo, nos explorando até a exaustão através de nossa própria vontade de performar.
Pergunta: Em artigo no Jacobin (https://jacobin.com.br/2020/07/contra-o-fim-da-historia/), o autor afirma:
Segundo Fisher, as escolas estiveram na vanguarda das mudanças que seriam implementadas no restante do sistema educacional e nos serviços públicos – um tipo de laboratório no qual as reformas neoliberais da educação foram testadas, o que foi determinante para a ruptura do autor com a concepção aceleracionista de que o incremento dos processos de reprodução capitalista poderiam resultar em uma superação emancipatória desse modo de produção, marcando sua guinada para o marxismo."
É comprovada essa ruptura de Fisher com o aceleracionismo?
Essa é uma questão complexa e central para entender a trajetória intelectual de Mark Fisher. A afirmação do artigo da Jacobin sobre uma “ruptura” definitiva com o aceleracionismo é um tanto categórica e pode ser matizada. A relação de Fisher com o aceleracionismo foi mais de evolução crítica, tensão interna e desilusão progressiva do que uma ruptura limpa e oficial.
Vamos analisar as evidências a favor e contra essa “ruptura comprovada”.
Evidências que Apoiam a Tese da Ruptura ou Afastamento Radical
A Crítica ao “Vampirismo” do Capitalismo: Em seus escritos tardios, Fisher ficou cada vez mais pessimista em relação à capacidade do capitalismo de cooptar e comercializar qualquer tentativa de escapar dele. A ideia aceleracionista de que poderíamos “acelerar para fora” do capitalismo começou a lhe parecer ingênua. Ele via o capitalismo como um vampiro que podia sugar até mesmo as energias mais negativas e dissidentes, transformando-as em mercadoria. Isso vai diretamente contra a noção aceleracionista de que a aceleração das forças produtivas levaria inevitavelmente a uma contradição insustentável.
A Experiência no Sistema Educacional (o ponto do artigo): O artigo da Jacobin acerta no alvo. A experiência de Fisher como professor no Ensino Superior no Reino Unido (na Goldsmiths, University of London e no Further Education) foi fundamental. Ele viu em primeira mão como as reformas neoliberais (gerencialismo, métricas de produtividade, a transformação do aluno em “cliente”) não eram um acidente, mas a implementação prática de uma lógica perversa. Isso não parecia um “laboratório” para um futuro pós-capitalista, mas sim a consolidação de um presente disfórico e anti-emancipatório. A aceleração desses processos não levava à ruptura, mas a um aprofundamento do “realismo capitalista”.
O Foco na Saúde Mental e no “Realismo Capitalista”: Conforme seu trabalho se desenvolvia, Fisher focou cada vez mais na epidemia de doenças mentais (depressão, ansiedade) como um sintoma político direto do realismo capitalista. Sua análise era de que o sistema era patogênico. É difícil conciliar a crença em um projeto político que abraça a aceleração tecnocapitalista com a constatação de que essa mesma aceleração está literalmente adoecendo a população. Essa mudança de foco para a “infraestrutura” psíquica representou um afastamento das abstrações mais tecnofílicas do aceleracionismo.
O Retorno ao Marxismo e à Luta de Classes: O artigo menciona sua “guinada para o marxismo”. Isso é visível em seus textos posteriores, onde ele reafirma a luta de classes como central, criticando a esquerda por ter se perdido em identitarismos despolitizantes. O aceleracionismo, em sua forma mais pura, muitas vezes vê a classe como uma categoria obsoleta. A redescoberta de Fisher da luta de classes como quadro analítico primário o colocou em rota de colisão com versões do aceleracionismo que negligenciam esse conflito.
Evidências que Complicam a Tese de uma “Ruptura Completa”
A Permanência de Temas Aceleracionistas: Mesmo em seus últimos escritos, Fisher nunca abandonou completamente alguns insights aceleracionistas. Ele continuou acreditando que a esquerda precisava reivindicar o futuro e ser modernizadora, em oposição a uma nostalgia por um passado que nunca existiu. A ideia de que a tecnologia e a automação poderiam e deveriam ser usadas para liberar os humanos do trabalho (um tema aceleracionista central) permaneceu com ele.
A Crítica Era de Dentro da Tradição: A crítica de Fisher ao aceleracionismo era, em muitos aspectos, uma autocrítica. Ele estava tentando salvar o que ainda era útil naquela perspectiva, purgando-a de seu otimismo tecnológico excessivo. Ele não rejeitou a análise, mas sim a conclusão política. Ele chegou a dizer, em uma entrevista, que o problema com o aceleracionismo era que “não era suficientemente aceleracionista”, no sentido de que não conseguia acelerar para além das barreiras que o capitalismo impunha à própria aceleração.
Nunca Houve uma “Renúncia” Formal: Fisher nunca publicou um texto com o título “Por que Deixo o Aceleracionismo”. Sua evolução foi orgânica, tensa e cheia de contradições, como costuma ser o pensamento de qualquer intelectual complexo.
Conclusão: Ruptura ou Evolução Crítica?
A afirmação do artigo da Jacobin capta uma verdade essencial, mas a expressa de forma muito binária.
Não é que Fisher tenha simplesmente “rachado” com o aceleracionismo e abraçado um marxismo ortodoxo. Em vez disso, sua experiência prática com o neoliberalismo concreto (especialmente na educação) levou-o a uma profunda revisão e desilusão com as premissas mais otimistas do aceleracionismo.
- Ele manteve o diagnóstico aceleracionista sobre a potência das forças produtivas e a necessidade de a esquerda ser futurista.
- Mas ele rejeitou a prescrição política de que a aceleração imanente do capitalismo levaria automaticamente à sua superação.
Portanto, a relação é melhor descrita como uma evolução crítica e um afastamento substantivo, onde Fisher tornou-se um dos críticos mais agudos das falácias aceleracionistas, a partir de uma posição de quem conhecia aquela tradição por dentro. A experiência educacional foi, de fato, um ponto de virada crucial nessa jornada, tornando tangível e insuportável a contradição entre a promessa emancipatória da esquerda e a realidade esmagadora do realismo capitalista.
P: Você disse “Essa mudança de foco para a “infraestrutura” psíquica representou um afastamento das abstrações mais tecnofílicas do aceleracionismo.” Isto apontaria para uma possível convergência com Byung-Chul Han, cujo foco é mais existencial e psicológico?
Exatamente. Essa é uma percepção muito aguda. A mudança de foco de Fisher para a “infraestrutura psíquica” representa, de fato, um ponto de convergência profundo e fundamental com Byung-Chul Han.
Embora partam de tradições intelectuais diferentes (Fisher do marxismo e dos cultural studies britânicos, Han da filosofia continental alemã), eles chegam a um território comum: a análise do sofrimento psicológico gerado diretamente pela lógica neoliberal.
Vamos detalhar essa convergência e, em seguida, apontar a diferença crucial que ainda os separa.
A Convergência: O Neoliberalismo como Patologia Psíquica
Ambos entendem que o capitalismo contemporâneo não é apenas um sistema econômico, mas um sistema produtor de subjetividade. Sua violência principal não é mais a exploração física (embora ela exista), mas uma violência neuronal e existencial.
O Sistema como Causa da Doença Mental:
- Fisher: Escreveu explicitamente que “a saúde mental é um problema político”. Sua análise da depressão e da ansiedade não era clínica, mas social: ele as via como respostas racionais a um ambiente social irracional e patogênico. O “realismo capitalista” é o que nos adoece.
- Han: Descreve a sociedade do cansaço e do burnout como resultado direto do imperativo de desempenho. A exaustão não é falha individual, mas o produto final lógico de uma sociedade que nos impele a sermos empreendedores de nós mesmos 24 horas por dia.
A Internalização da Coerção:
- Fisher: Descreve uma atmosfera em que a pressão vem de todos os lados e é internalizada como culpa e inadequação. O sujeito se sente pessoalmente responsável por seu próprio fracasso em um sistema que, na verdade, está preparado para que muitos fracassem.
- Han: É ainda mais direto: o sujeito de desempenho é “senhor e escravo de si mesmo”. A exploração não vem mais de um patrão externo, mas de um “supereu” internalizado que sussurra “Yes, we can!” até nos levar ao colapso. A psique torna-se o próprio campo de batalha.
A Crítica à Positividade Tóxica:
- Ambos criticam a noção de que a solução está em “pensamento positivo” ou em mais “resiliência”.
- Fisher via isso como uma armadilha que individualiza um problema estrutural.
- Han teoriza isso filosoficamente: o excesso de positividade (estímulos, informações, possibilidades) é tão opressivo quanto a negatividade da repressão clássica. É o “inferno do igual” que esgota.
Nesse ponto, o diagnóstico é quase idêntico: o neoliberalismo produz um sujeito esgotado, depressivo e ansioso, preso em uma jaula de expectativas que ele mesmo internalizou.
A Divergência Crucial: A Solução - Revolução Coletiva vs. Revolução Existencial
Aqui está onde o “diálogo” entre eles se tornaria um debate acalorado. A convergência no diagnóstico não leva a uma convergência na cura.
| Característica | Mark Fisher | Byung-Chul Han |
|---|---|---|
| Natureza da Solução | Política e Coletiva. A cura exige uma transformação social radical. | Existencial e Individual (em primeira instância). A cura começa com uma transformação da própria experiência de ser. |
| Estratégia | Recuperar o futuro através da luta de classes, da organização e da invenção cultural. É necessário construir um “nós” coletivo para desafiar o realismo capitalista. | Desacelerar. Fazer pausas. Cultivar o tédio profundo, a contemplação e o silêncio. É uma ascese, uma retirada da lógica do desempenho. |
| Papel da Tecnologia | Ambivalente, mas estratégico. A tecnologia (automação) deve ser reapropriada e usada para liberar os humanos do trabalho, como parte de um projeto político. | Principalmente negativa. A tecnologia digital é intrinsicamente psico-política e parte do problema. A solução está na desconexão. |
| Conceito-Chave de Saída | Quebrar o “Realismo Capitalista” através de um projeto de futuração coletiva. | Recuperar a “Negatividade” (o limite, o outro, o silêncio) para escapar do “Inferno do Igual”. |
Em suma:
- Fisher, mesmo em sua fase mais crítica do aceleracionismo, ainda acreditava que a saída era coletiva, política e exigia confrontar o sistema para construir uma alternativa. Sua análise da psique era um passo para uma cura política.
- Han, por outro lado, é profundamente cético em relação a soluções políticas grandiosas. Para ele, a verdadeira revolução é interior, lenta e passa por uma recusa dos imperativos da sociedade do desempenho. A cura é, antes de tudo, uma prática de si.
Portanto, sua observação é precisamente correta: a guinada de Fisher para a “infraestrutura psíquica” o aproxima dramaticamente do diagnóstico de Han. Eles se tornam os dois grandes cartógrafos do mal-estar psíquico neoliberal. No entanto, eles prescrevem remédios radicalmente diferentes: Fisher, um remédio político-coletivo; Han, um remédio existencial-individual.